As Escrituras afirmam que há na carne uma inimizade contra Deus: "porque a inclinação da carne é morte; mas a inclinação do Espírito é vida e paz. Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem em verdade o pode ser; e os que estão na carne não podem agradar a Deus." Assim, o pecado produziu no homem uma inclinação para as coisas da carne. O termo "carne" no texto original neotestamentário pode assumir três formas: 'sarkós', 'sarkinós' e 'sarkikós'. No primeiro caso, pode siginificar apenas carne no sentido físico-biológico e toda a sua contingencialidade. No segundo e terceiro carsos, significa a natureza, as impurezas, os desejos e apetites da natureza decaída do homem. Souter afirma que 'sarkikós' é a matéria de que é feito o homem, enquanto 'sarkinós' é de cunho ético ou comportamental. Em latim, 'sarkikós' é 'carneus' (matéria), enquanto 'sarkinós' é 'carnalis' (natureza ética). O fato é que, seja no sentido físico-biológico da natureza humana e suas contingências limitadas e alteradas pelo pecado, seja simplesmente no sentido comportamental, o homem está invariavelmente em oposição à natureza divina.
O pecado o corrompeu total e absolutamente, não foi uma queda parcial como pretendem os pelagianos e os arminianos. Por esta razão é que os religiosos, que por natureza são arminianos, não podem crer na convergência total e absoluta da lei para a cruz, onde Cristo a cumpriu pelo pecador e com o pecador, visto que, também, o incluiu n'Ele conforme Jo. 12: 32 e 33. Ainda que os inimigos da cruz de Cristo queiram ir só até o verso 32, a Palavra continua mostrando a revelação completa no verso 33. Porém, só podem vê-la por completo os que tiveram as escamas dos olhos retiradas e a cera dos ovidos removidas conforme Sl. 40:6. Todos os caminhos exegéticos, chegam a uma única verdade: a carne é a natureza humana, incluindo-se nela, o corpo, a alma, a natureza terrena, as escolhas morais apartadas da natureza de Deus. Segundo Thayer, a carne é "a inteira natureza do homem, sensibilidade e razão, sem o Espírito Santo." Ainda, segundo Melanchthon, a carne envolve "espírito, alma, corpo e coração." Então, não sobrou nada no homem que possa reconduzi-lo à verdade ou à Deus fora da cruz. Do contrário, o Espírito Santo não teria inspirado Paulo a escrever "como está escrito: não há justo, nem sequer um. Não há quem entenda; não há quem busque a Deus. Todos se extraviaram; juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só." O Senhor Jesus foi mais enfático, quando afirmou: "o espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita..."
O texto que faz a abertura deste artigo mostra, ainda, que a inclinação natural para as coisas carnais conduz o homem à morte. Morte, neste texto é 'thanatos', isto é, morte não apenas física, mas também eterna e espiritual. Tal afirmação indica que, ao morrer fisicamente, sem ter resgatada a vida espiritual ou eterna, em Cristo, o pecador permanecerá separado de Deus eternamente. O mesmo texto afirma que a carne não pode estar sujeita à lei de Deus, justamente porque são naturezas diferentes, diferenciadas e opostas. Deus é luz, vida e verdade, a carne são trevas, morte e mentira, visto que segue os ditames da natureza humana apostatada d'Ele. Não há ponto de conciliação entre a carnalidade e a natureza pura, santa e perfeita de Deus. Por isso, há necessidade de regeneração que, em língua grega neotestamentária é 'nova geração' conforme o texto de II Co. 5:17. Qualquer pessoa simples e desprovida de ranço religioso pode ver e reconhecer que nova geração é gerar de novo algo ou alguém. Para gerar alguma coisa ou alguém de novo há de se destruir o velho, o anterior, o antigo. O ensino da destituição ou destruição do velho homem, velha natureza ou natureza adâmica, está muito claro no contexto de Rm. 6:6 - "... sabendo isto, que o nosso velho homem foi crucificado com ele, para que o corpo do pecado fosse desfeito, a fim de não servirmos mais ao pecado." O texto não autoriza os inimigos da cruz, afirmar a velha lorota da aniquilação do eu, como supõem por incredulidade. Ao contrário, pois, se fosse questão de aniquilação, o texto falaria em "homem velho" e não "velho homem". Em tudo, o Espírito Santo cuidou para que a verdade prevaleça sobre a mentira ainda que os mentirosos não a creiam. Estas verdades se apropriam por fé, e esta, é dom de Deus e não uma virtude natural do homem decaído. Como não podem ganhar a graça para crer, preferem desfigurá-la com discursos vazios de conteúdo bíblico. Quando se fala em conteúdo bíblico, obviamente, não se refere ao uso indevido ou indébto dos textos para justificar doutrinas religiosas afim de tentar produzir leigitmidade às mesmas. Deve-se, neste caso, deixar que as Escrituras falem por si mesmas.
Como não podem compreender e crer no ensino da verdade estritamente bíblica, os inimigos da cruz de Cristo batem, rebatem e combatem os eleitos de Deus. Aqueles afirmam em seus discursos sofismáticos e falaciosos que os nascidos do alto negam a necessidade de esforço e de obediência no cumprimento da vontade de Deus. De fato, os eleitos não estão preocupados em se esforçar para adquirir a salvação e a santificação, porque as Escrituras ensinam fartamente que esta obra é da estrita competência soberana de Deus. Ele começa a boa obra e, Ele mesmo a completará de acordo com o registro de Fl. 1:6. Todavia, os eleitos confiam com corações cheios de gratidão, que, o que os faz obedecer não é a submissão a penosas normas, regras, preceitos e ritos, mas a vida verdadeira herdada em Cristo. Então, estes não obedecem para serem aceitos, mas são aceitos para obedecer. Não estão preocupados em impressionar e pressionar o Senhor de toda Glória com as boas obras, porqe Ele mesmo as preparou de antemão para que estes andassem nelas conforme o registro de Ef. 2: 8 a 10. Assim, não são os regenerados e salvos que seguem as boas obras para serem aceitos, mas as boas obras de Deus os seguem, porque foram aceitos em Cristo. Os que morrem em Cristo, serão seguidos por suas obras e não seguem-nas para chegar-se a Cristo conforme o texto de Ap. 14:13b: "bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem dos seus trabalhos, pois as suas obras os acompanham." O que significa "os mortos que desde agora morrem no Senhor"? Ainda que esteja no contexto escatológico, todos os que morrem em Cristo são os que crêem que foram n'Ele atraídos e incluídos em Sua morte de cruz por fé. Repito, por fé! É uma questão de cunho espiritual e não mística como pregam os inimigos da cruz de Cristo. Só eles acreditam e apregoam esses transes místicos por aí. Seus atos refletem as suas próprias palavras e vice-versa.
Os nascidos de Deus não precisam de negar ou afirmar nada sobre obrigatoriedade de fazer ou deixar de fazer qualquer coisa para honra e glória d'Ele, pois suas naturezas foram justificadas em Cristo. Por isso, eles simplesmente se põem disponíveis à vontade soberana de Deus. Desta forma a graça pela qual vivem, não os obriga a realizar obras de justiça própria, mas não lhes dispensa de realizar as boas obras, as quais Deus preparou para que andassem nelas antes dos tempos eternos. Assim, quem afirma ou nega qualquer coisa desta natureza são os inimigos da cruz de Cristo, que, não tendo o que crer, pregam suas religiões de esforço à semelhança de Caim. Os eleitos são da fé, porque agem como Abel, que, não se baseando em seu próprio esforço, ofereceu o substituto; Caim, ao contrário, sendo religioso, ofereceu o fruto do seu esforço como justiça própria. O resultado se vê até o dia de hoje, os caimitas perseguem os eleitos e odeiam a cruz, porque ela lhes retira o tapete vermelho da justiça própria e dos méritos.
A vida santificada se dá porque Cristo a concede ao novo nascido. Não é o pecador que deixa, ou não deixa santificá-lo, Ele doa a Sua santidade. Não é o pecador que aceita Jesus, mas este é aceito por Ele em amor. Não é o pecador que vai a Jesus, mas é Deus que o conduz a Cristo conforme Jo. 6: 44, 47 e 65. É Cristo que, na cruz destrói a natureza pecamionosa do homem, concedendo-lhe um coração de carne em lugar do coração de pedra e lhe dá um espírito novo, em lugar do espírito morto e separado da vida de Deus. É Cristo, somente Cristo que torna o pecador aceitável perante a face santa e pura de Deus. O que passa disso é anátema!
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