sábado, outubro 24

A SÍNDROME DE JÓ XII


Jó 22: 1 a 5 - "Então respondeu Elifaz, o temanita, dizendo: porventura será o homem de algum proveito a Deus? Antes a si mesmo o prudente será proveitoso. Ou tem o Todo-Poderoso prazer em que tu sejas justo, ou algum lucro em que tu faças perfeitos os teus caminhos? Ou te repreende, pelo temor que tem de ti, ou entra contigo em juízo? Porventura não é grande a tua malícia, e sem termo as tuas iniquidades?" Continua a saga do amigo Elifaz em jogar dor sobre a dor de Jó. Assim são os religiosos, têm imenso prazer em acusar os outros de pecados. Não foi atoa que A.W. Tozzer afirmou: "os cristãos são os únicos soldados que, na guerra, atiram em seus próprios companheiros e não voltam para socorrer os feridos." Obviamente, ele se referia a cristãos nominais e não aos nascidos de Deus e verdadeiramente libertos por Cristo. Também ele se utiliza apenas de linguagem figurada que aborda a indelicadeza e a facilidade de desentendimento e condenações entre ditos cristãos.
Elifaz insiste na ideia, que, obrigatoriamente havia uma razão para Deus tratar Jó daquela maneira. Porém, ele não vê outra alternativa, senão a da existência de graves pecados na vida de Jó. De volta ele traz à baila a temática de causa e consequência para o campo teológico. Ele não consegue ver Deus como causa, mas apenas o pecado como a causa e os males do amigo como consequências deste.
Não satisfeito em tecer sua pseudoteologia de causa e efeito, Elifaz especifica, inclusive, os pecados de Jó. Afirma que o mesmo é violento, de personalidade ambígua, e que joga em dois lados. Elifaz é daquela categoria de pessoas que, mesmo sem evidência alguma, parte de seus próprios pressupostos lógicos para estabelecer juízos temerários. Nesta fase os amigos de Jó saem das meras insinuações para o ataque aberto e direto. Fazem inumeráveis generalizações, utilizando fatos descritos nas Escrituras para supostamente elucidar suas afirmações. Este mesmo fato se vê entre religiosos atualmente: utilizam-se dos textos bíblicos apenas até o ponto que lhes interessa para justificar suas posições. Muitas injustiças e acusações temerárias são feitas em nome de Jesus, em defesa de uma igreja ou denominação institucional.
Embora Elifaz apresente um ensaio sobre como se reconciliar com Deus, entretanto, este ensino não serve a Jó, porque parte de pressupostos errôneos, a saber, que a causa de todo o mal é a maldade deste seu amigo. Elifaz não consegue visualizar a soberania de Deus no trato com suas criaturas. A tese do temanita é tão tênue que convida Jó a desapegar-se dos bens materiais, porém estes já haviam sido absolutamente destruídos por ordem de Deus.
Lc. 16:8 - "E louvou aquele senhor ao injusto mordomo por haver procedido com sagacidade; porque os filhos deste mundo são mais sagazes para com a sua geração do que os filhos da luz." Nesta parábola Jesus mostra que os filhos das trevas são mais prudentes que os filhos da luz. Isto porque a luz deles não é a luz de Cristo, por isso, são trevas conforme Lc. 11: 34 e 35 - "A candeia do corpo é o olho. Sendo, pois, o teu olho simples, também todo o teu corpo será luminoso; mas, se for mau, também o teu corpo será tenebroso. Vê, pois, que a luz que em ti há não sejam trevas."
Sola Fide !

A SÍNDROME DE JÓ XI


Jó 21: 4 a 6 - "Porventura eu me queixo de algum homem? Porém, ainda que assim fosse, por que não se angustiaria o meu espírito? Olhai para mim, e pasmai; e ponde a mão sobre a boca. Porque, quando me lembro disto me perturbo, e a minha carne é sobressaltada de horror." Jó deixa claro que a sua queixa é contra Deus. Chama atenção sobre o seu estado de penúria, demonstrando um forte estado de autocomiseração. Esta característica do "coitadinho de mim" é própria do homem, especialmente os religiosos, pois julgam serem merecedores de algum benefício divino. Não se pretende aqui esvaziar de significação o sofrimento de Jó, mas tão somente, mostrar a similaridade de comportamento da alma humana diante dos grandes dramas. Todos que já viveram mais de três ou quatro décadas sabem que há muitas dores e sofrimentos na vida.
No capítulo 20, o amigo de Jó, Zofar descreve a calamidade como consequência dos atos iníquos dos perversos. É muito comum entre os religiosos, especialmente os que se dizem cristãos, considerarem esta mesma doutrina esdrúxula de Zofar. Eles postulam que as pessoas que não professam uma religião, não são bons, corretos e justos passam por provações, dissabores e angústias. Esta é uma doutrina maniqueísta e absolutamente errada. Não existe esta doutrina deletéria nas Escrituras, a qual afirma que só os pecadores não regenerados sofrem. Além do que ela coloca Deus como o autor e promotor do que é mau. Muitos cristãos quando estão diante de acontecimentos estarrecedores, seja com eles mesmos, seja com outros, logo se põem a afirmar que há alguma falha, algum pecado oculto e que tudo é uma espécie de castigo de Deus.
Jó, entretanto, mostra ao seu interlocutor que tal doutrina não tem fundamento, pois os perversos experimentam grandes progressos. Os seus lares, suas famílias, suas propriedades e seus rebanhos prosperam, e eles, descem à sepultura em tranquilidade no fim dos seus dias. Jó faz uma veemente refutação do que lhe fora doutrinado por Elifz em 15:28; por Bildade em 18:14; e por Zofar em 20:28. Não se trata apenas de uma disputa dialética de argumentação, mas porque Jó está buscando entender o seu estado de desagregação e desconstrução moral e espiritual.
Jó não pactua com o conselho dos perversos, e, muito menos, deseja se unir aos pecadores para ter a sua sorte mudada. Apenas refuta a estranha doutrina das recompensas materiais como sinal de bem-estar espiritual e pacificação com Deus. Acusa os seus amigos de presunçosos ao elaborarem teorias mal fundadas. O mundo de hoje está repleto desses teólogos de alcovas que aparecem apenas para defender Deus, como se necessário fosse, e para sobrepor fundamento novo sobre o já estabelecido nas Escrituras. Pretendem estes doutores em divindades estabelecer o caminho em que Deus deve andar. Preferem esta nefasta pseudoteologia, à se curvar ante a soberana vontade de Deus que usa de misericórdia a quem quer, independentemente das condições morais da pessoa.
Jó não defende uma visão unilateral, a qual sustenta que apenas os ímpios obtêm vantagens materiais, mas mostra que a realidade é mais ampla do que supõem os seus amigos. A visão de Zofar, Bildade e Elifaz é a mesma que perdura ainda hoje entre religiosos: o bem provém de Deus, e o mal do Diabo. Esquecem estes analistas superficiais que o conceito de bem e mal é variável de acordo com o tempo e a cultura. É uma mera concepção humana, pois Deus não se limita a estes conceitos.
Perceber-se-á no desenvolver da trama divina para redimir Jó, que Deus não pende, nem para Jó, nem para os seus desagradáveis amigos sabichões. Simplesmente, Deus, em sua soberana vontade permanece no Seu propósito de salvar Jó e envergonhar os religiosos e a Satanás perante os céus.
Soli Deo Gloria!

quinta-feira, outubro 15

A SÍNDROME DE JÓ X


Jó 19:25 a 27 - "Porque eu sei que o meu Redentor vive e por fim se levantará sobre a terra. Depois revestido este meu corpo da minha pele, em minha carne verei a Deus. Vê-lo-ei por mim mesmo, os meus olhos o verão, e não outros; de saudade me desfalece o coração dentro de mim." Prosseguiu Jó em sua indignação contra a situação calamitosa em que se achava, tanto contra Deus, como contra os amigos, parentes e servos. Entretanto, Jó obteve a graça da lembrança de que há um Redentor vivo e que encarnará sobre a Terra. É a memória das profecias sobre o advento do Salvador, do Messias, do Ungido de Deus. Este Redentor é a única resposta concreta às dúvidas e à esperança em meio a dor e o sofrimento. No texto hebraico, a palavra redentor é 'gô'el', significando libertador, protetor, defensor, redentor, justificador ou vindicador. Todos estes qualificativos são referências à obra redentora de Jesus, o Cristo de Deus. Ver com os próprios olhos é a confirmação da exigência para entrar no reino de Deus conforme Jo. 3: 3 e 5 - "Jesus respondeu, e disse-lhe: na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. Jesus respondeu: na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus." Desta forma, sem nascimento do alto, o pecador não vê e não entra!
Hb. 2:11 - "Porque, assim o que santifica, como os que são santificados, são todos de um; por cuja causa não se envergonha de lhes chamar irmãos..." De fato Cristo é o santificador dos eleitos e, ambos, pertencem a Deus. Por isso, há um Redentor que é mais do que um amigo verdadeiro, é um irmão. Rm. 8:35 - "Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada?" Nada pode ou poderá fazer separação entre os eleitos de Deus e o Redentor Jesus, o Cristo de Deus. Não importa a tribulação, angústia, perseguição, fome, nudez, perigo ou espada. O Redentor é alguém que não só justifica, mas também protege, liberta, defende, redime, vindica. O que muitos religiosos não podem compreender é que Deus conduz os seus eleitos para o deserto da dor e do sofrimento para apurar os seus sentidos a fim de que experimentem o que é a misericórda e a graça. O homem só valoriza e compreende a eficácia de uma medicação quando ela cura a sua enfermidade. Muitos preferem apenas ler a bula do remédio, mas não o experimenta!
Is. 47:4 - "O nosso redentor cujo nome é o Senhor dos Exércitos, é o Santo de Israel." Em meio a todas as perdas e danos há uma única possessão que ninguém pode retirar. Os eleitos de Deus são mendigos ricos! Há eternamente um parente vivo que jamais morre, mesmo em meio aos parentes mortos. Eis que surge uma certeza, em meio a tantas incertezas: "eu sei que o meu Redentor vive" é o mesmo que o apóstolo Paulo afirma: "eu sei em quem tenho crido." Por isso a salvação é pela graça, tendo a fé como meio segundo diversas instâncias escriturísticas, especialmente Ef. 2:8 - "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus." Ambas, graça e fé são dons de Deus, exatamente porque o justificado não pode ser também o próprio justificador. Neste sentido é que arminianos e pelagianos estão absolutamente equivocados ao afirmar, por suas próprias expensas, que o pecador coopera com Deus no processo de salvação.
Jesus Cristo é o vindicador, isto é, aquele que reclama ou exige em juízo os direitos de quem defende. Certamente Cristo é quem vindica os direitos perante os falsos juízes e acusadores dos eleitos de Deus conforme I Jo. 2:1 - "Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo."
Solo Christus!

quarta-feira, outubro 14

A SÌNDROME DE JÓ IX


Jó 14:13 e 14 - "Quem dera que me escondesses na sepultura, e me ocultasses até que a tua ira se fosse; e me pusesses um limite, e te lembrasses de mim! Morrendo o homem, porventura tornará a viver? Todos os dias de meu combate esperaria, até que viesse a minha mudança." No capítulo 14, Jó discorre sobre a brevidade da vida e a realidade da morte. Insiste no fato que está sendo punido sem causa e tem plena consciência de que nada pode fazer para mudar tal realidade. Fala poeticamente de um sonho no qual vai para o Sheol, ou seja, o mundo dos mortos, e, depois, seria chamado e teria suas transgressões depositadas em um saco e as suas iniquidades seriam encobertas. Isto indica uma leve consciência de redenção em meio ao sofrimento de Jó. A ação da graça de Deus sempre é assim, conduz o homem ao reconhecimento da sua natureza pecaminosa e da graça salvífica d'Ele.
Entretanto Jó volta à realidade das suas dores e perde as esperanças nas ações futuras de Deus. Assim tem sido com o homem, quer a solução para os seus dilemas imediatamente. Desconhece que o tempo de Deus não é o tempo do homem. Por isso, tenta produzir a sua própria salvação sem o concurso da ação monérgica de Deus. E, quanto mais tenta, mais se perde, porque como pode um ser destituído da glória de Deus produzir sua própria redenção?
No capítulo 15, Jó é acusado de impiedade pelo seu amigo Elifaz. É submetido a uma seção de tortura psicológica. É o segundo ciclo de debates, quando Jó é acusado de desprezar a sabedoria dos amigos. Elifaz acusa-o de não se render e se humilhar perante Deus. Os amigos de Jó apegam-se cada vez mais aos seus ensinos preconcebidos e sem a visão do que Deus estava realizando naquele patriarca. De consoladores, os amigos de Jó passam a detratores ofensivos e sarcásticos.
No capítulo 16, Jó se queixa do tratamento dispensado a ele da parte de Deus. Continua reclamando dos consoladores molestos e mais uma vez se coloca em pé de igualdade aos seus amigos no tocante à capacidade de falar e discorrer acerca de Deus. E no capítulo 17, Jó declara a sua descrença e desesperança nesta vida. Reconhece que só Deus poderá providenciar os meios para satisfação das exigências de sua justiça. Cristo é o fiador que Jó se refere! Entretanto, Jó permanece firme no propósito de manter a sua religiosidade, apesar dos males que o afligem. No verso 9, Jó cita pela primeira vez a reivindicação de ser justo.
Bildade, amigo de Jó, faz discurso sobre a sorte do perverso. Acusa Jó de procurar palavras para se justificar e reclamam da rejeição dele aos seus conselhos e considerações. O discurso de Bildade descreve os horrores e os terrores destinados aos perversos, incluindo Jó nesta categoria de homem. Segundo este amigo, Jó quer mudar a ordem das coisas.
Estes amigos de Jó eram religiosos e legalistas que concebiam a realidade à luz de um dualismo, sendo o bem proveniente de Deus e o mal proveniente do Diabo. Esta visão maniqueista persiste ainda nos tempos atuais, especialmente entre os religiosos modernos. Deus está acima do bem e do mal!
Sola Scriptura!

A SÍNDROME DE JÓ VIII


Jó 13: 13 a 24 - "Calai-vos perante mim, e falarei eu, e venha sobre mim o que vier. Por que razão tomarei eu a minha carne com os meus dentes, e porei a minha vida na minha mão? Ainda que ele me mate, nele esperarei; contudo os meus caminhos defenderei diante dele. Também ele será a minha salvação; porém o hipócrita não virá perante ele. Ouvi com atenção as minhas palavras, e com os vossos ouvidos a minha declaração. Eis que já tenho ordenado a minha causa, e sei que serei achado justo. Quem é o que contenderá comigo? Se eu agora me calasse, renderia o espírito. Duas coisas somente não faças para comigo; então não me esconderei do teu rosto: desvia a tua mão para longe, de mim, e não me espante o teu terror. Chama, pois, e eu responderei; ou eu falarei, e tu me responderás. Quantas culpas e pecados tenho eu? Notifica-me a minha transgressão e o meu pecado. Por que escondes o teu rosto, e me tens por teu inimigo?" No capítulo 12, Jó se restringe a se defender das acusações dos seus amigos. E no capítulo 13, além de demonstrar que não é inferior aos seus amigos acerca do conhecimento de Deus, resolve arguir ao próprio Deus. Estes amigos de Jó são a tipificação daqueles religiosos defensores da religião. São como advogados de Deus, os quais estão prontos a condenar qualquer situação ou pessoa para justificar Deus. Entretanto, se esquecem que Deus Si basta a Si mesmo e é Justo.
O mundo de hoje está cheio de Bildades, Zofares e Elifazes. Basta qualquer comentário sobre uma determinada personalidade religiosa, igreja ou denominação, logo os seus defensores aparecem munidos até os dentes de razões. Ora, primeiramente a verdade é una e é uma, logo, como podem existir inumeráveis seitas e religiões? Porque há tantas diferentes traduções dos textos sagrados, cada uma favorecendo esta ou aquela interpretação? Porque o mesmo texto bíblico fala uma verdade para uma religião e outra verdade para a outra? A verdade não é uma concepção, mas é uma pessoa, a saber, Cristo e Cristo mesmo.
Jó representa nesta instância, o homem religioso que se apega apenas à si mesmo, à sua própria integridade e ousa questionar Deus. Por não ter uma visão correta de si mesmo, também desenvolve uma visão errônea de Deus e das outras pessoas. Quando o homem decaído põe o foco em Cristo e se vê nú, cego, pobre e desgraçado, aí sim, Deus começa a mudar a sua sorte.
Jó reivindica duas coisas: a) que Deus lhe dê alívio; b) que Deus lhe faça perguntas e que lhe responda. Ele joga perante a face de Deus a seguinte indagação: "quantas culpas e pecados tenho eu?" Pede a Deus que lhe notifique a sua transgressão e o seu pecado. Não é assim que procedem os religiosos quando lhes acontecem coisas indesejáveis? Logo se põem a perguntar: onde foi que errei? Qual é o meu erro? Porque está acontecendo isto comigo? Estou em pecado para Deus me castigar? Muitos destes, logo desenvolvem uma teologia da autocomiseração e dos sacrifícios para apaziguar Deus. No fundo estão com os seus entendimentos obscurecidos pelo 'deus' deste século. Suas mentes cauterizadas por conceitos e preconceitos próprios não podem retirar o foco de suas justiças próprias, por isso, não conseguem olhar para Jesus autor e consumador da fé.
A visão correta é aquela exposta por Davi segundo o Sl. 51: 1 a 3 - "Tem misericórdia de mim, ó Deus, segundo a tua benignidade; apaga as minhas transgressões, segundo a multidão das tuas misericórdias. Lava-me completamente da minha iniquidade, e purifica-me do meu pecado. Porque eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim."
Sola Fide!

segunda-feira, outubro 12

A SÍNDROME DE JÓ VII


Jó 11:1 a 11 - "Então respondeu Zofar, o naamatita, e disse: porventura não se dará resposta à multidão de palavras? E o homem falador será justificado? Às tuas mentiras se hão de calar os homens? E zombarás tu sem que ninguém te envergonhe? Pois dizes: a minha doutrina é pura, e limpo sou aos teus olhos. Mas na verdade, quem dera que Deus falasse e abrisse os seus lábios contra ti! E te fizesse saber os segredos da sabedoria, que é multíplice em eficácia; sabe, pois, que Deus exige de ti menos do que merece a tua iniquidade. Porventura alcançarás os caminhos de Deus, ou chegarás à perfeição do Todo-Poderoso? Como as alturas dos céus é a sua sabedoria; que poderás tu fazer? É mais profunda do que o inferno, que poderás tu saber? Mais comprida é a sua medida do que a Terra, e mais larga do que o mar. Se ele passar, aprisionar, ou chamar a juízo, quem o impedirá? Porque ele conhece aos homens vãos, e vê o vício; e não o terá em consideração?" Zofar é a tipificação do religioso legalista. Ele sai na defesa de Deus, sem que o mesmo tenha dele isto requerido. Deus não necessita de advogados, porque Ele mesmo é o Justo Juiz e se basta a si mesmo. Zofar é o tipo do amigo que está mais interessado em condenar e estabelecer julgamentos sem conhecimento de causa, do que necessariamente confortar e consolar na hora da dor.
Realmente tudo o quanto Zofar disse a Jó no capítulo 11 é verdadeiro no tocante ao reconhecimento do que é o homem e de quem Deus é. Entretanto, Deus não lhe delegou poderes para atribuir a Jó qualquer juízo.
Zofar acusa Jó de ser um falador, tagarela, paroleiro, mentiroso e zombeteiro. Realmente se vê que religiosos gostam muito de falar, porém não têm a mesma disposição para ouvir. Em muitas dessas igrejas institucionais observa-se que a maioria é animada na hora do ruidoso "louvor", mas quando começa a pregação, estes perdem imediatamente o entusiasmo.
Zofar de certa forma vaticina o que Deus realmente irá fazer a Jó, porque de fato Ele o levará ao pleno conhecimento dos segredos e da sabedoria. Também Deus purificará a Jó e perdoará a sua iniquidade, pois é este o sentido da graça e da misericórdia d'Ele. Zofar mostra que o mais sábio dos homens é estúpido como o asno montês. Esta espécie de asinino não podia ser domada conforme fica claro em Jó 39: 5 a 8 - "Quem despediu livre o jumento montês, e quem soltou as prisões ao jumento bravo, ao qual dei o ermo por casa, e a terra salgada por morada? Ri-se do ruído da cidade; não ouve os muitos gritos do condutor. A região montanhosa é o seu pasto, e anda buscando tudo que está verde."
Zofar indica a Jó que ele necessita render-se a Deus, limpar as suas mãos lançar fora a sua iniquidade para estar em condições de manter comunhão com Ele. Isto implica em arrependimento de pecados e mudança de foco de si mesmo, para Deus. Todavia, faltou a Zofar o conhecimento e o reconhecimento de que tudo isso se processa monergisticamente e não com a cooperação do pecador. Esta é a questão mais penosa para um religioso: conhecer e reconhecer o seu estado pecaminoso, mesmo que não cometa muitos atos pecaminosos. O homem sem a graça não consegue compreender a realidade da natureza pecaminosa, pois vê apenas os atos pecaminosos. Por isso, julga que, ao não cometer muitas falhas, deslizes e atos imorais, logo conclui que não tem do que se arrepender. Entretanto, Deus quer é rasgar o escrito de dívida, ou seja, a culpa do pecado original. Logo, o homem é pecador, porque é portador de uma natureza geradora dos pecados. Não é pecador apenas porque comete pecados, mas porque a tal natureza adâmica o leva a cometê-los. A justificação por inclusão na morte e na ressurreição com Cristo é que elimina a natureza pecaminosa retirando a culpa do pecado. E, com o processo de produção da semelhança de Cristo, os atos pecaminosos vão desaparecendo até o dia da restauração final.
Sola Gratia!

domingo, outubro 11

A SÍNDROME DE JÓ VI


Jó 10: 1 a 9 - "A minha alma tem tédio da minha vida; darei livre curso à minha queixa, falarei na amargura da minha alma. Direi a Deus: não me condenes; faze-me saber por que contendes comigo. Parece-te bem que me oprimas, que rejeites o trabalho das tuas mãos e resplandeças sobre o conselho dos ímpios? Tens tu porventura olhos de carne? Vês tu como vê o homem? São os teus dias como os dias do homem? Ou são os teus anos como os anos de um homem, para te informares da minha iniquidade, e averiguares o meu pecado? Bem sabes tu que eu não sou iníquo; todavia ninguém há que me livre da tua mão. As tuas mãos me fizeram e me formaram completamente; contudo me consomes. Peço-te que te lembres de que como barro me formaste e me farás voltar ao pó." Jó está decidido a continuar se queixando de Deus, e isto, o conduzirá a uma situação da qual terá de expor o pecado oculto em seu coração. Quando isto acontecer Deus agirá e o regenerará. Não é pelo desafio ou pela lisonja que Deus se inclina ao pecador. É sempre e invariavelmente por misericórdia e graça. Toda a tese de Jó se restringe a si mesmo quando levanta a questão do tédio da sua alma pela sua própria vida. A alma é a parte constitutiva do homem que possui a vida animada, os sentimentos, os desejos e as vontades. A vida está no sangue e este é que expia pela alma conforme Lv. 17:11 - "Porque a vida da carne está no sangue; pelo que vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pelas vossas almas; porquanto é o sangue que fará expiação pela alma." Por esta razão é que Cristo teve de ser sacrificado na cruz para purificação do pecado.
Jó apela ao Oleiro Eterno tentando lembrá-Lo da profundidade e da beleza de Sua obra ao formá-lo com tanta ciência. Por isso, Jó não podia entender o objetivo de Deus ao atingi-lo com perdas, doenças e insultos dos amigos. Até então ele permanecia centralizado em si e no seu drama. Quando a percepção da realidade fica restrita apenas ao homem e suas dificuldades permanecerá apenas na periferia das impossibilidades humanas e não na totalidade da possibilidade de Deus conforme Mt. 19:26 - "E Jesus, olhando para eles, disse-lhes: aos homens é isso impossível, mas a Deus tudo é possível." A fé, dom de Deus, torna qualquer impossibilidade em possibilidade conforme Mc. 9:23 - "E Jesus disse-lhe: se tu podes crer, tudo é possível ao que crê."
Jó acusa Deus de ser extremamente rigoroso com os mais leves pecados e se coloca na perspectiva de uma criatura inocente e vitimada pelo rigor d'Ele. Ocorre, no entanto, que Deus vê o pecado, ou seja, a natureza determinadora dos atos pecaminosos. Esta fonte é que é o alvo da justiça de Deus na cruz. A justificação do pecador sempre foi por meio da morte em Cristo na cruz.
Por não compreender e não receber o mal que lhe fora destinado, Jó sente que já fora condenado à desgraça. Entretanto, a graça é justamente para os que se sentem desgraçados. A misericórdia é exatamente Deus não nos dando o que de fato merecemos como pecadores. Assim, Deus está conduzindo Jó a um processo de reconhecimento da sua natureza pecaminosa para usar para com ele de misericórdia e graça.
Solo Christus!

A SÍNDROME DE JÓ V


Jó 7:1 a 5 - "Porventura não tem o homem guerra sobre a Terra? E não são os seus dias como os dias do jornaleiro? Como o cervo que suspira pela sombra, e como o jornaleiro que espera pela sua paga. Assim me deram por herança meses de vaidade; e noites de trabalho me prepararam. Deitando-me a dormir, então digo: quando me levantarei? Mas comprida é a noite, e farto-me de me revolver na cama até à alva. A minha carne se tem vestido de vermes e de torrões de pó; a minha pele está gretada, e se fez abominável." No capítulo 7, Jó continua em sua lamentação diante de Deus, por causa do seu infortúnio. Demonstra a sua escassez de fé genuína, isto é, da fé que procede de Deus. Isto porque, o homem não pode ter fé em Deus, mas apenas ganhar a fé de Deus. É a fé que possui o homem e não o homem que possui a fé. Ela é dom e não habilidade, capacidade ou talento. 
Nos versos 8 a 10, Jó deixa clara a sua desesperança na ressurreição. Toma a morte como ponto final e não considera o poder de Deus para trazer os mortos à vida conforme ensina Rm. 4:17 - "Como está escrito: por pai de muitas nações te constituí, perante aquele no qual creu, a saber, Deus, o qual vivifica os mortos, e chama as coisas que não são como se já fossem."
Nos versos 14 a 21 Jó confronta-se diretamente com Deus. No verso 20 ele chega ao ponto de indagar a Deus em que aspecto o seu pecado fez mal a Ele. Chama Deus de 'Espreitador dos homens', como se Deus se divertisse às custas das desgraças humanas, simplesmente por vê-los sofrer. No verso 21 ele coloca Deus como alguém que brinca de tiro ao alvo com o homem, no caso, ele mesmo, Jó era o alvo.
No capítulo 8, o amigo de Jó, Bildade, o suíta, reafirma a justiça de Deus e se põe a condenar as atitudes e as palavras de Jó. Assim, também agem os religiosos, em geral, quando alguém está passando por dificuldades ou provações. Tornam-se em advogados de Deus, defendem-no sem saber que muitos males na vida do homem são determinados por Ele. Tudo quanto Deus realiza é para um fim útil e grandioso, inclusive, aquilo que reputamos como o mal. É que a religião humanista coloca, invariavelmente, o bem como procedente de Deus e o mal como procedente do Diabo. Ora, Deus é soberano e não há nada que Lhe escape. O que prevalece é a Sua soberania! Até o Diabo está sob o controle de Deus.
No capítulo 9, Jó se declara incompetente para discutir com Deus. Porém, continua se colocando como uma mera vítima da situação. Isto prova e comprova que não basta ao homem saber acerca da grandeza de Deus. O que Deus pretende produzir nos seus eleitos é o conhecimento pleno d'Ele como pai e não apenas como Criador. Nos versos 15 e 16, Jó diz que não responderia e não argumentaria, mesmo que fosse justo. Declara que, mesmo que chamasse e Deus o respondesse, não creria que Ele o ouviria. Jó não confessa Deus, ele simplesmente declara acerca de Deus. Este é o maior problema do homem religioso ou não religioso. Imaginam em seus corações que o simples fato de declarar acerca de Deus o torna conhecedor d'Ele e alvo de bênçãos e méritos. Nem toda a eternidade será suficiente para conhecer plenamente a Deus.
Nos versos 17 a 19, Jó finalmente atribui a culpa de todo o seu sofrimento a Deus. No verso 20, finalmente, Jó se declara quase como um justo. Daí por diante ele afirma que Deus não se importa com a sorte de ninguém e nem da Terra. Acusa Deus de cobrir o rosto e não ver a perversidade dos homens.
Toda a tese de Jó está focada nele mesmo, ainda que faça declarações brilhantes acerca de Deus. A compreensão intelectual de Deus não é muito útil ao homem portador da natureza pecaminosa. Isto mostra que a salvação é ação monérgica de Deus e não resultante do sinergismo humano.
Soli Deo Gloria!

sábado, outubro 10

A SÍNDROME DE JÓ IV


Jó 6: 1 a 5 - "Então Jó respondeu, dizendo: oh! se a minha mágoa retamente se pesasse, e a minha miséria juntamente se pusesse numa balança! Porque, na verdade, mais pesada seria, do que a areia dos mares; por isso é que as minhas palavras têm sido precipitadas. Porque as flechas do Todo-Poderoso estão em mim, cujo ardente veneno suga o meu espírito; os terrores de Deus se armam contra mim. Porventura zurrará o jumento montês junto à relva? Ou mugirá o boi junto ao seu pasto?" Neste ponto começam aparecer sinais de desesperança em Jó. Evidentemente que se deve considerar, o imenso sofrimento físico e almático dele. Jó se declara magoado e miserável. Atribui a sua miserabilidade a ação de Deus, embora não a entenda e não a receba. Alega, por metáfora, que se as coisas estivessem boas, não haveria motivos para reclamar.
Esta é de fato a realidade humana: está sempre aberto a receber apenas o bem com gratidão. Entretanto, as Escrituras ensinam que se deve dar graças em tudo conforme I Ts. 5:18 - "Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco." A vontade de Deus é em Cristo Jesus e não com base em pressupostos de justiça própria do homem. Não é muito fácil dar graças na hora da provação e da angústia, entretanto, esta é a exigência de Deus. A questão é principiológica, porque a alma que dá graças em tudo, possui a mente de Cristo. Logo, fica evidente a natureza que domina o homem que vive da fé e da graça.
Nos versos 7 a 9, Jó desejou que Deus o matasse para aliviar a sua dor. Este tem sido o mesmo comportamento do homem, quando está tudo bem, quer viver e tirar proveito da vida, quando está tudo ruim deseja a morte para fugir à realidade. Nos versos 10 a 13, Jó afirma-se como alguém que não tem fé, pois vê apenas o seu fim e não a misericórdia e a graça de Deus. Este tem sido o problema do pecado no homem, não confia em Deus plenamente. Confiança parcial não é confiança! Sabendo que confiança provém de dois vocábulos: com e fiar, ou seja, ter fé. Jó reclama da perda dos seus recursos, mostrando que o homem põe muito a sua confiança no que tem e não no que não pode ver e tocar. O princípio da fé genuína é crer para ver e não ver para crer. Isto tem produzido muita desconfiança em religiosos e viciados em igrejas institucionais. Esperam muito do que não pode oferecer nada.
Jó reclama veementemente dos seus amigos, porque estão tratando-o com dureza. Afirma que não pediu nada para eles e que não via em que havia errado para ser assim tratado. Reivindica um juízo mais exato sobre a sua causa e que espera deles a afirmação da sua justiça conforme verso 29. Afirma que não há iniquidade em suas palavras. Todavia, desconhece que a iniquidade do homem está no seu coração e não nas suas palavras. As palavras apenas refletem aquilo de que o coração está cheio.
Normalmente as pessoas julgam que só é pecado o que o homem fala ou faz. Entretanto, o pecado é a natureza humana contaminada pela natureza adâmica, denominada nas Escrituras de velho homem, ou corpo do pecado. Enquanto isto tudo não é destruído na morte com Cristo continua no homem, por mais ético e comportado que ele seja. Para extirpar o pecado só há um lugar: a cruz.
Jó só conheceu esta verdade após passar por todo o processo de regeneração produzido por Deus conforme fica registrado no último capítulo do livro que leva o seu nome.
Sola Fide!

terça-feira, outubro 6

A SÍNDROME DE JÓ III


Jó 2: 1 a 7 - "E, vindo outro dia, em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles, apresentar-se perante o Senhor. Então o Senhor disse a Satanás: donde vens? E respondeu Satanás ao Senhor, e disse: de rodear a Terra, e passear por ela. E disse o Senhor a Satanás: observaste o meu servo Jó? Porque ninguém há na Terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal, e que ainda retém a sua sinceridade, havendo-me tu incitado contra ele, para o consumir sem causa. Então Satanás respondeu ao Senhor, e disse: pele por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida. Porém estende a tua mão, e toca-lhe nos ossos, e na carne, e verás se não blasfema contra ti na tua face! E disse o Senhor a Satanás: eis que ele está na tua mão, porém guarda a sua vida. Então saiu Satanás da presença do Senhor, e feriu a Jó de úlceras malignas, desde a planta do pé até ao alto da cabeça."
Na primeira experiência de Jó, Deus permitiu a Satanás que retirasse todos os seus bens, porque o maligno levantou a prosperidade como sendo uma âncora que faz do homem um ser fiel a Deus. Jó perdeu absolutamente tudo o que possuía, como também os seus dez filhos. Até aí Jó não pecou com os lábios contra Deus conforme os versos 20 a 22 do capítulo 1, assim o demonstram: "Então Jó se levantou, e rasgou o seu manto, e rapou a sua cabeça, e se lançou em terra, e adorou. E disse: nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o Senhor o deu, e o Senhor o tomou: bendito seja o nome do Senhor. Em tudo isto Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma."
Na segunda experiência foi permitido ao maligno tocar o corpo de Jó e ferir-lhe com chagas, ou úlceras malígnas desde a planta do pé até a raíz do cabelo. Ainda assim, não pecou Jó contra Deus, conforme o relato do capítulo 2, versos 9 a 10 : "E Jó tomou um caco para se raspar com ele; e estava assentado no meio da cinza. Então sua mulher lhe disse: ainda reténs a tua sinceridade? Amaldiçoa a Deus, e morre. Porém ele lhe disse: como fala qualquer doida, falas tu; receberemos o bem de Deus, e não receberíamos o mal? Em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios." O pecado que desligou o homem de Deus não foi por palavras ou atos falhos, estes são consequências do pecado que fez o homem perder a comunhão com Ele. Esta é a confusão que as religiões e seitas ditas cristãs fazem na cabeça dos seus seguidores: confundem atos pecaminosos com o pecado.
Há pessoas capazes de suportar intenso sofrimento e muitas provações por algum tempo, porque acreditam em uma teologia da purificação pela dor. Pelo menos por palavras não dizem desatinos ou murmurações, porém há profunda diferença entre pecar por palavras, por atos e no coração com a natureza pecaminosa. Estas atitudes aparentemente resignadas são subproduto de um senso de justiça própria e de bondade desenvolvido pela religião e pela cultura moral em que a pessoa é submetida desde a mais tenra idade. Ela está focada no homem e seus pressupostos e não na centralidade do amor de Deus. Desta forma o homem se submete por algum tempo para comover o coração de Deus a lhe ser favorável, depois utiliza isto como argumento para reivindicar algo de Deus. É diferente ter o temor de Deus e buscar o temor de Deus. No primeiro caso a ação é monérgica, no segundo é sinérgica. Agir dessa forma pode ser uma boa atitude sociológica e antropológica, mas não necessariamente uma boa atitude espiritual. Isto porque só há um que é bom, a saber, Deus. O verdadeiro regenerado não possui a bondade, a bondade de Deus é que o possui.
No capítulo 3, Jó começa perder a sua elegância e paciência. Quando viu que a sua aparente serenidade não superava a crise, amaldiçoou o dia do seu nascimento. Aí que começou a expor o que de fato estava no íntimo da sua natureza adâmica decaída. Começou a falar e conforme o texto sagrado afirma, "na multidão de palavras não falta pecado, mas o que modera os seus lábios é sábio."
Em todo o capítulo três Jó derramou o que estava de fato em seu coração amargurado pela dor e pela perda. Não economizou palavras para expressar a sua indignação contra o que estava passando. Não é assim entre os religiosos e os homens, em geral? Quando está tudo bem, tudo é aceitável, tolerável e maravilhoso. Basta algum desequilíbrio para a velha natureza mostrar a sua real face. A desconfiança de que Deus abandonou o barco e que os seus esforços e dedicação foram em vão levam o homem a revelar a sua real situação pecaminosa. É neste ponto que surge a ira do louco que o destrói e o zelo do tolo que o mata conforme Elifaz, amigo de Jó, ensina no capítulo 4.
Sola Fide!

segunda-feira, outubro 5

A SÍNDROME DE JÓ II


Jó 1: 1 a 5 - "Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; e era este homem íntegro, reto e temente a Deus e desviava-se do mal. E nasceram-lhe sete filhos e três filhas. E o seu gado era de sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de bois e quinhentas jumentas; eram também muitíssimos os servos a seu serviço, de maneira que este homem era maior do que todos os do oriente. E iam seus filhos à casa uns dos outros e faziam banquetes cada um por sua vez; e mandavam convidar as suas três irmãs a comerem e beberem com eles. Sucedia, pois, que, decorrido o turno de dias de seus banquetes, enviava Jó, e os santificava, e se levantava de madrugada, e oferecia holocaustos segundo o número de todos eles; porque dizia Jó: talvez pecaram meus filhos, e amaldiçoaram a Deus no seu coração. Assim fazia Jó continuamente."
Jó cujo nome significa, "voltado sempre para Deus", era um semita da terra de Uz, o que hoje corresponde à Arábia Saudita. Há frágeis indícios de que Jó tenha vivido entre os séculos XVII e XVI a. C. Era possuidor de um perfil socialmente aceitável, pois dele se diz que era reto, íntegro, temente e evitava o mal. Tinha dez filhos, milhares de cabeças de gado e muitos empregados estava a seu serviço. Em termos materiais e morais era tido como maior entre todos os homens do Oriente.
Verifica-se pelo texto, que Jó era profundamente religioso, pois antes mesmo de os filhos se reunirem para banquetear e celebrar, se preocupava em sacrificar a Deus preventivamente. Jó entendia que se poderia obter uma sentença favorável, ajuizando uma medida cautelar, no caso de os seus filhos cometerem algum pecado. Queria uma proteção sobrenatural sobre a sua prole, ainda que para tanto, isto lhe custasse sacrifícios de holocaustos noturnos de contínuo. Neste ponto, Jó almejava ser mais justo que o Justo Juiz.
Jó é um tipo, a saber, uma tipificação do homem decaído que supõe poder conduzir Deus à realização da sua vontade. Ainda que politicamente correto, o homem não pode positivar, validar e normatizar a vontade de Deus. Salvo, quando Deus solicita e determina alguma ação humana na Terra, o homem não Lhe pode mover ou demover em nada.
À ação isolada ou coletiva do homem na direção e no sentido de mover e comover Deus dá-se o nome de religião. É uma luta inglória de chegar a Deus por meio de suas próprias expensas. A religião é uma ação sinergística, pois envolve o esforço do homem em suposta cooperação com a ação monergística de Deus. Neste sentido, uma anula a outra, pois se há duas forças atuando em sentidos opostos, uma prevalecerá sobre a outra. Elas são conjuntas apenas na aparência e no desejo do homem. Porém, em sua natureza são opostas, porque Deus é Santo, Justo e Puro, enquanto o homem é pecador, injusto e impuro. É esta condição que o qualifica como decaído e depravado, portanto, carente da graça redentora, não sendo o seu autor e promotor.
O braço de Deus é movido, tão somente quando Ele concede o dom da fé ao homem e o vivifica para crer. Conforme ensinam as Escrituras, tanto a graça, como a fé são dons de Deus, logo o homem não é o autor da ação resultante destes dons.
Na suposição de agradar a Deus em seu coração, o homem pecador cria um maior abismo entre si e o Criador. Isto fica claro em Is. 1:13 - "Não continueis a trazer ofertas vãs; o incenso é para mim abominação, e as luas novas, e os sábados, e a convocação das assembleias; não posso suportar iniquidade, nem mesmo a reunião solene. As vossas luas novas, e as vossas solenidades, a minha alma as odeia; já me são pesadas; já estou cansado de as sofrer." A questão fundamental é que o homem religioso se preocupa com o continente e não com o conteúdo; se importa com o culto e não como o cultuado; se importa com a forma e não com a essência. A questão posta no texto acima é que toda a solenidade do culto era contaminada pelas iniquidades. Os religiosos buscam objetivos no culto e não objetividade do Deus cultuado. Restando, por isso, apenas adoração sem o adorado!
Soli Deo Gloria!

domingo, outubro 4

A SÍNDROME DE JÓ I


Jó 42: 1 a 6 - "Então respondeu Jó ao Senhor, dizendo: bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido. Quem é este, que sem conhecimento encobre o conselho? Por isso relatei o que não entendia; coisas que para mim eram inescrutáveis, e que eu não entendia. Escuta-me, pois, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu me ensinarás. Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te vêem os meus olhos. Por isso me abomino e me arrependo no pó e na cinza."
Uma síndrome, no sentido e na extensão que interessa aqui, se define como um conjunto de características ou de sinais associados a uma condição crítica, suscetíveis de despertar reações de temor e insegurança. Este personagem bíblico, cuja existência real já foi questionada por alguns segmentos teológicos, é um típico caso de síndrome.
Pouco importa se Jó foi um personagem fictício ou real. O que de fato conta é que o relato da sua experiência é um ensino profundo da graça e da soberania de Deus, da realidade do Diabo, e da condição pecaminosa do homem. Jó foi um dos poucos homens elogiados diretamente por Deus. Dele foi declarado que era reto, íntegro, temente e desviava-se do mal. Apesar da referendada declaração de Deus diante dos seus anjos e de Satanás, Jó ainda era portador da síndrome do falar do que não conhecia, como se conhecedor fosse. Deste mesmo mal todos os homens decaídos sofrem.
A questão da síndrome é endêmica na natureza humana. Tal natureza é portadora do pecado, sendo este definido por Cristo em Jo. 16: 9, como sendo a incredulidade. De fato foi por incredulidade que Adão caiu no conto da serpente. Deu crédito à pregação do Diabo, e desprezou a pregação de Deus. Foi seduzido pelo desejo de ser, como Deus, conhecedor do bem e do mal. As Escrituras mostram com profunda clareza que a queda do homem o atingiu totalmente e não parcialmente como pretendem os religiosos pelagianos e arminianos, entre outros deslizes teológicos.
A ordem de Deus em Gn. 2:17 utiliza a expressão hebraica "môth tamuth", isto é, 'morrer morrendo.' Trata na língua semítica de um verbo no infinitivo absoluto. Em português corresponde a uma locução adverbial expressa como: "certamente morrerás." Assim, quando o homem caiu, ele morreu, não imediatamente no aspecto físico, mas para Deus e, consequentemente, foi morrendo fisicamente. Assim, como o pecado de Adão passou a todos os homens, porque ele era, não apenas o primeiro homem, mas o representante de toda a humanidade, todos os seus descendentes morreram para Deus. É aparentemente paradoxal dizer que alguém vivo está morto, mas no sentido bíblico é exatamente isto que acontece. O homem nasce vivo biologicamente, mas morto espiritualmente. A sua natureza está contaminada pelo pecado original e, portanto, morta para Deus. A morte espiritual significa separado ou destituído da natureza de Deus.
A solução para tal morte, isto é, separação entre o homem decaído e Deus é apenas uma: morrer para o pecado, sendo incluído na morte de Cristo e na sua consequente ressurreição. Deus mata a morte do homem, na morte de Cristo e o traz da morte para a maravilhosa vida de Cristo na ressurreição. Isto se dá por fé e não por atos.
Jó era um homem sociologicamente admirável, pois reto, íntegro, temente e procurava evitar o mal. Como a sociedade moderna carece de homens assim! Entretanto, era portador da síndrome do desconhecimento de Deus. Isto foi declarado por ele mesmo no texto que abre este artigo. É admirável como Deus agiu no caso de Jó e o fez ver com os próprios olhos a sua condição miserável espiritualmente e o mesmo foi levado ao verdadeiro arrependimento.
Sola Gratia!