Lc. 9: 22 a 24 - "... e disse-lhes: é necessário que o Filho do homem padeça muitas coisas, que seja rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e escribas, que seja morto, e que ao terceiro dia ressuscite. Em seguida dizia a todos: se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim, esse a salvará."
Há nos círculos religiosos, especialmente, os que se autodenominam evangélicos, uma afirmação que o homem é a coroa da criação, um ser especial, dotado de maior inteligência que os demais, criado à imagem e à semelhança de Deus. Afirmam ainda, que, apesar da queda, restou no homem uma fagulha de luz, bondade e desejo de buscar a Deus. Segundo eles, isto confere ao homem a capacidade de fazer escolhas livres entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, entre Deus e o Diabo, entre o céu e o inferno. Nunca se viu tanta desfaçatez como estas afirmações sem qualquer embasamento escriturístico. É exatamente isto que a religião, subproduto da arrogância humana, produz no mundo: ignorância e soberba. Refundam o evangelho, retirando o fundamento já colocado por Cristo e pelos apóstolos, produzindo teologias anômalas para satisfação dos seus próprios egos decaídos. Assim, permanecem com suas mentes cauterizadas e enganadas pelo "deus" deste século conforme II Co. 4:4 - "... nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus."
O homem não foi criado por Deus do nada como as demais coisas, mas a partir do barro, por esta razão, é que foi chamado 'Adão' ou 'homem' que provém de 'adamah', significando no hebraico 'barro vermelho' e no latim 'húmus'. Todas as demais coisas foram criadas do nada pelo poder da Palavra de Deus, mas o homem foi feito a partir de algo já existente. Por isso, no processo criatório é utilizado no texto original o verbo 'barah'. Entretanto, na formação do homem foi utilizado o verbo 'asah', ou seja, 'fazer', indicando que foi a partir de algo. Mc. 10:6 - "Mas desde o princípio da criação, Deus os fez homem e mulher." Fazer é uma alusão à inspiração das vidas no corpo físico de barro inerte formado por Deus conforme Gn. 2:7 - "E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida; e o homem tornou-se alma vivente." No texto hebraico diz 'nefesh hayim', ou seja, 'folego das vidas' e não da vida no singular. Isto indica a inspiração da alma e do espírito no homem criado do barro. A partir daí é que ele se tornou animado, ou seja, alma vivente.
As Escrituras não autorizam a ninguém dizer que o homem é a coroa da criação, ao contrário, diz que até Jesus, o Cristo foi feito um pouco menor que os anjos conforme Hb. 2: 7 a 10 - "Fizeste-o um pouco menor que os anjos, de glória e de honra o coroaste, todas as coisas lhe sujeitaste debaixo dos pés. Ora, visto que lhe sujeitou todas as coisas, nada deixou que não lhe fosse sujeito. Mas agora ainda não vemos todas as coisas sujeitas a ele; vemos, porém, aquele que foi feito um pouco menor que os anjos, Jesus, coroado de glória e honra, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos. Porque convinha que aquele, para quem são todas as coisas, e por meio de quem tudo existe, em trazendo muitos filhos à glória, aperfeiçoasse pelos sofrimentos o autor da salvação deles." O texto mostra com clareza que Cristo ainda não tem o pleno domínio sobre toda a criação de Deus. Tal domínio só será possível por meio da restauração final executada por Ele. Por isto, Cristo também foi reduzido à condição humana na encarnação em Jesus, o homem histórico, para resgatar os eleitos de Deus e redimir a criação. Vê-se que a própria sujeição de Cristo à morte, na pessoa de Jesus, foi uma dimensão da graça de Deus. Ele veio resgatar o que era seu, porque todas as coisas foram feitas por Ele, e, sem Ele, nada do que foi feito se fez. Ao realizar esta graciosa obra, resgatou o homem decaído e o fez filho de Deus por adoção. Não há neste ponto qualquer ensino que separa Cristo de Jesus, como faziam as heresias do primeiro século, apenas identifica-se Cristo como pré-existente e Jesus como seu receptáculo humano nascido de mulher. São duas naturezas, a divina e a humana, em uma só pessoa.
Também as Escrituras não sustentam a afirmação que o homem foi feito à imagem e à semelhança de Deus no momento da sua formação. Sustenta, outrossim, que ele foi feito apenas à imagem, pois a semelhança é realizada em Cristo. De fato a afirmação inicial de Deus era fazer o homem à sua imagem e à sua semelhança, mas não necessariamente no mesmo instante. Ele o fez à sua imagem inicialmente conforme Gn. 1:26 - "E disse Deus: façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança." Entretanto, quando o fato foi concretizado, vê-se que foi feito apenas à imagem conforme o texto de Gn. 1:27 - "Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou." Ainda que no capítulo cinco do livro das gerações fala-se apenas em semelhança e não em imagem conforme Gn. 5:1 - "Este é o livro das gerações de Adão. No dia em que Deus criou o homem, à semelhança de Deus o fez." Este livro das gerações de Adão era chamado Taledoth, e, ao que tudo indica era uma espécie de resumo dos relatos orais dos tempos primitivos. Vê-se no texto que são utilizados os verbos "criou" e "fez" novamente. Isto significa, que, quando o texto se refere ao processo da construção do homem a partir do barro é um processo criativo mecânico, mas quando se fala da inspiração das vidas da alma e do espírito, é um processo formativo. Até este momento, antes da queda, o homem possuía plena comunhão com Deus, pois o via face a face e o seu espírito não era corrompido. Possuía, de fato, plena liberdade para decidir pecar ou não pecar. Neste sentido se assemelhava a Deus, ou seja, tinha livre opção de escolha. Não significa que o homem era um "deus", mas apenas que possuía algo à semelhança de Deus. Após a queda, pela incredulidade, o homem perdeu completamente esta semelhança específica, ficando apenas a imagem nele forjada. A semelhança é desenvolvida por meio de Cristo na regeneração. Este processo é uma nova geração ou um nascimento do alto conforme o que está doutrinado em Jo. 3: 3 e 5 - "Respondeu-lhe Jesus: em verdade, em verdade te digo que se alguém não nascer do alto, não pode ver o reino de Deus. Jesus respondeu: em verdade, em verdade te digo que se alguém não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus." O processo da regeneração ou da nova geração é em Cristo por meio da inclusão na sua morte e da sua consequente ressurreição conforme Rm. 6: 3 a 5 - "Ou, porventura, ignorais que todos quantos fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele pelo batismo na morte, para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida. Porque, se temos sido unidos a ele na semelhança da sua morte, certamente também o seremos na semelhança da sua ressurreição." O verbo batizar no texto original grego é 'baptizó', ou seja, 'imergir em'. O sentido desta imagem é a nossa imersão no corpo de Cristo na cruz para a nossa ressurreição em uma nova vida redimida por Ele. Nada tem a ver com batismos realizados nas igrejas, pois estes são apenas figuras ou símbolos da morte e da ressurreição dos pecadores regenerados. Os pecadores eleitos foram sepultados com Cristo na sua morte, para que tivessem suas naturezas mortas para Deus retiradas, e, na ressurreição ganhassem a sua vida 'zoé', ou seja, vida eterna. É óbvio e redundante dizer que tal processo se dá pela fé que Cristo incluiu os pecadores eleitos em sua morte e que os trouxe de volta na sua ressurreição. Não houve nada físico, pois a maioria dos pecadores não estavam presentes fisicamente na crucificação. O método de Deus tratar com o pecador se dá sempre pela fé, pois só se pode aproximar de Deus e adorá-lo por fé. O Cristo eterno substituiu o pecador espiritualmente, enquanto o homem Jesus no qual o Cristo estava encarnado, o substituiu fisicamente. É este o projeto que ficou oculto das hostes malignas pelos séculos e séculos conforme Ef. 3: 9 a 12 - "... e demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou, para que agora seja manifestada, por meio da igreja, aos principados e potestades nas regiões celestes, segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus nosso Senhor, no qual temos ousadia e acesso em confiança, pela nossa fé nele." É a Igreja verdadeira que revela, tanto aos demônios, como aos homens o plano de Deus para redimir os eleitos.
Acrescenta-se ainda, que, no homem não há absolutamente nada que se aproveite espiritualmente. Está tudo contaminado pela natureza pecaminosa conforme Rm. 3: 9 a 11 - "Pois quê? Somos melhores do que eles? De maneira nenhuma, pois já demonstramos que, tanto judeus como gregos, todos estão debaixo do pecado; como está escrito: não há justo, nem sequer um. Não há quem entenda; não há quem busque a Deus." Estas, pois, não são as credenciais do homem apresentado e exaltado nas igrejas e religiões dos homens em todos os tempos e lugares. As Escrituras não pactuam com a natureza pecaminosa, ao contrário, demonstram claramente o que de fato é o homem decaído e aponta o modo de Deus para regenerá-lo e libertá-lo plenamente conforme Jo. 8: 32 e 36 - "... e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres." Vê-se pelo texto que a verdade não é uma concepção, mas uma pessoa. É esta pessoa, a saber, Cristo quem liberta plenamente. Não são nossas obras de justiça própria, pois estas justiças estão contaminadas pela natureza pecaminosa. Não há qualquer mérito no homem que o possa redimi-lo. Todas as escolhas do homem estão circunvaladas pela natureza pecaminosa nele residente e persistente. De modo que, não há livre arbítrio, pois quem é escravo do pecado, não é livre como pretendem correntes gnósticas e espiritistas. O próprio Jesus ensinou isto aos religiosos do seu tempo em Jo. 8: 34 - "Replicou-lhes Jesus: em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é escravo do pecado."
O texto que abre este estudo fala destas mesmas e esplendentes verdades. Também demonstra, que, se o homem tentar promover a salvação da sua vida almática 'psiken', perdê-lá-á para sempre. Mas se render-se à cruz crendo que foi incluído na morte de Cristo, terá a sua vida almática 'psiken' salva. Embora o texto tenha sido traduzido como "por amor de mim", o original não diz isso, até porque ninguém pode amar a Cristo sem que Ele realize este processo primeiro conforme I Jo. 4:19 - "Nós amamos, porque ele nos amou primeiro." O texto usa a preposição 'eneken', que, neste contexto, admite apenas a tradução: 'por minha causa'. O agente causador da redenção do pecador é Cristo e não o pecador em si mesmo. Obviamente, que, se o homem decaído pudesse promover sua própria salvação, como querem os defensores da evolução gnóstica, Cristo seria apenas uma farsa. Entre as opiniões dos homens e o ensino de Cristo, prefere-se este àqueles.
Finalmente, há muitos que ensoberbeceram e foram ofuscados pelo Diabo, preferindo ver neste ensino uma espécie de "aniquilação do eu". Primeiramente, ignoram que é impossível aniquilar o "eu" visto que é a essência do homem. O verbo aniquilar significa, entre outros, o seguinte: 'reduzir a nada, destruir completamente; exterminar.' A teoria gnóstica da aniquilação do eu é tratada em outra esfera, nada tendo a ver com questões bíblicas. O que o ensino das Escrituras afirma é outro sentido de aniquilação, a saber, aniquilação da natureza pecaminosa conforme Hb. 9:26 a 28 - "... doutra forma, necessário lhe fora padecer muitas vezes desde a fundação do mundo; mas agora, na consumação dos séculos, uma vez por todas se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo. E, como aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo depois o juízo, assim também Cristo, oferecendo-se uma só vez para levar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o esperam para salvação." Vê-se, com clareza meridiana, que não há reencarnação ou evolução espiritual e moral, mas sim uma nova geração, aniquilando na cruz, o pecado de cada um dos muitos eleitos e não de todos os homens.
Sola Scriptura!