domingo, agosto 5

HÁ ALGUM PARADOXO NA FÉ?

Hb. 11: 1 e 2 - "Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se veem. Porque por ela os antigos alcançaram bom testemunho."
A fé é uma categoria subjetiva, e, portanto, não pode ser provada em laboratório ou por meio de uma equação algébrica. Não é ciência, mas revelação e inspiração concedida. Apresenta-se por meio de aparente paradoxo, precisamente, porque é em sua essência, subjetiva, porém recebida e demonstrada objetivamente. Glênio Fonseca Paranaguá, um eleito de Deus, costuma afirmar: "crê, vai crendo, até crer." Este é o processo que a fé opera nos nascidos do alto, pois a inclinação do homem é para não crer. Não que a fé é dada por etapas ou em parcelas, mas que a nossa confiança vai aumentando. É Cristo quem realiza a construção da vida em dependência plena nos nascidos do alto.
Etimologicamente a palavra fé provém do grego koinê, a saber, a língua matricial do Novo Testamento. A palavra é 'pistis', e, genericamente, significa 'ponho ou repouso a minha confiança em Deus e no Salvador'. Dependendo de como é flexionada, pode significar 'entrego-lhes a minha vida, lanço-me sobre eles, como estáveis e dignos de confiança'. Toda a significação recai em confiança plena e independe de sentir ou ver qualquer sinal ou evidência. 
Uma palavra derivada de 'pistis' é 'pisteiô' aparece no sentido absoluto em Jo. 20:31 - "... estes, porém, estão escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome." Isto implica em que uma pessoa recebe a fé para confiar, que, de fato, Jesus é o Cristo, ou seja, o Salvador e Filho de Deus capaz de vivificar o homem morto em sua natureza espiritual, tornando-o vivo para Deus novamente. Assim, fé, nada mais é que confiar no que a Palavra de Deus afirma. Nada tem a ver com "pensamento positivo", "mentalização" e "auto-sugestão", pois tais categorias estão na esfera apenas da alma humana. Em Mc. 1:15 - "... e dizendo: o tempo está cumprido, e é chegado o reino de Deus. Arrependei-vos, e crede no evangelho." Neste texto a última frase é 'metanoiete kai pisteiete en tô evangeliô', ou seja, "crede na esfera do evangelho" ou mesmo, "crede evangelicamente". A palavra fé seguida pela clausula 'en' ou 'eis' que é derivada de 'en' indica "para dentro de" e "no meio de", ocorrendo quarenta e cinco vezes nos evangelhos e uma na primeira epístola de João, dando sempre forte ênfase à confiança salvadora em Jesus, o Cristo.  Com a preposição 'epi' ocorre treze vezes, e, todas com a mesma ênfase. 
A palavra fé com o objeto no dativo ocorre trinta e nove vezes, porém significa apenas crer no que alguém diz, não tendo relação com salvação, redenção ou vivificação espiritual. Foi neste sentido que os judeus creram em Jesus conforme o registro de Jo. 7:31 - "Contudo muitos da multidão creram nele, e diziam: será que o Cristo, quando vier, fará mais sinais do que este tem feito?" Ora, como poderiam ter crido se ainda esperavam pela vinda do Messias? Também, da mesma forma, em Jo. 12:42 - "Contudo, muitos dentre as próprias autoridades creram nele; mas por causa dos fariseus não o confessavam, para não serem expulsos da sinagoga." Se creram, porque não assumiam publicamente? Então, é fundamental saber que nem sempre quando aparece no texto bíblico a palavra fé ou crer significa a fé no sentido de confiança absoluta e irrestrita em Cristo como o Filho Unigênito e Salvador. Muitas vezes, o homem crê apenas no que vê objetivamente, mas não consegue abstrair dos conceitos e atos objetivos. Crê, mas não confia, logo, não é fé salvadora. É como aquele malabarista que atravessava de um prédio para outro apenas sobre uma corda. Perguntou a um senhor da multidão se ele acreditava que era possível atravessar sobre a corda em um carrinho de mão. Ao que o senhor lhe respondeu que sim. Ele, então, perguntou: o senhor topa ir dentro do carrinho? Ele replicou, não. Tinha fé intelectual ou puramente lógica, mas não a fé confiança absoluta.
A palavra 'pistikós' indica uma crença autêntica, pura e genuína que não pode ser confundida com expectativa ou esperança emocional, conceitual ou almática. A maioria das pessoas mantêm um nível de fé humana no futuro, na vitória sobre males, na proteção do Estado e das Instituições, nas leis e promessas de outras pessoas. Quase sempre se decepcionam!
As palavras 'pistis', 'pisteôs' e 'pisté' são universalmente utilizadas nas Escrituras como a experiência realizada por Deus, e não pelo homem, no coração do pecador mediante o arrependimento que é a 'metanoia'. Tal experiência resulta da graça que confere ao pecador plena e total confiança no projeto salvífico de Deus por meio de Cristo. Implica, ainda, em absoluta dependência em seu poder, graça, misericórdia e sabedoria. Por isto, muitos religiosos não encontram a paz verdadeira e envidam e multiplicam esforços, sacrifícios, ordenanças, preceitos, rituais, regras e leis para tentar alcançar a verdadeira e genuína fé. Porém, as Escrituras ensinam fartamente que a fé é um dom e não uma virtude a ser produzida e aperfeiçoada por meio de comportamento moral, ético e religioso. Em Judas 3 diz: "...exortando-vos a pelejar pela fé que de uma vez para sempre foi entregue aos santos." Então, a fé é entregue, logo, aquilo que é entregue, o é por alguém a alguém. Ainda em Ef. 2: 8 diz: "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus." O que salva é a graça e não a fé, esta, é apenas o meio pelo qual o pecador é vivificado, sendo, inclusive proveniente de Deus e não de méritos, de justiça própria, ou de esforços e sacrifícios.
A palavra fé no sentido de convicções intelectuais ou doutrinárias, não tem qualquer relação com salvação. Esta natureza de fé é comum a homens e também a demônios conforme Tg. 2:19 - "Crês tu que Deus é um só? Fazes bem; os demônios também o creem, e estremecem." No sentido do texto em tela, os demônios levam larga vantagem sobre muitos religiosos, pois além de crerem ainda estremecem diante da realidade de Deus. Tal acepção da fé, nada mais é, que nossa atitude subjetiva para outra significação da fé. É apenas a soma das doutrinas cristãs, o sistema teológico, crendice.
Acrescenta-se que o texto sacro apresenta também a fé com sentido de conteúdo objetivo do cristianismo puramente teórico, nominal e institucional conforme At. 6:7 - "E divulgava-se a palavra de Deus, de sorte que se multiplicava muito o número dos discípulos em Jerusalém e muitos sacerdotes obedeciam à fé." Como, pois obedeciam à fé e continuavam sacerdotes da velha aliança? Abraçaram apenas uma nova religião e não a fé no sentido verdadeiro. É quando uma pessoa "se converte", pois a conversão é apenas de um sistema religioso para outro. A verdadeira conversão é realizada soberanamente por Deus conforme Lm. 5:21 - "Converte-nos a ti, Senhor, e seremos convertidos; renova os nossos dias como dantes." Isto porque, a salvação vem de Deus e não de atos e atitudes humanas conforme Sl. 3:8 - "A salvação vem do Senhor; sobre o teu povo seja a tua bênção." 
O texto de abertura indica a fé como uma experiência absolutamente espiritual resultante da ação de Deus no pecador, pois implica em integridade, fidelidade, lealdade e dignidade na inteira confiança no que não se vê e no que não está presente. Trata-se de uma entrega sem reservas! Há, ainda, diversos outros sentidos de fé nas Escrituras, sendo todos ligados à confiança, às promessas, à fiança, certeza, garantia hipoteca, persuasão, convicção relativa às coisas lícitas, ao convencimento, e o ter por certo determinada afirmação das Escrituras.
Finalmente, pode-se afirmar que não há paradoxo algum, visto que a fé é um dom por graça do próprio Deus. Não há outra maneira de apropriar-se da redenção  por conta própria.
Sola Fidei!

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