terça-feira, março 20

COMPRAR SEM DINHEIRO

Is. 55:1 a 13 - "Ó vós, todos os que tendes sede, vinde às águas, e os que não tendes dinheiro, vinde, comprai, e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite. Buscai ao Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto. Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno os seus pensamentos; volte-se ao Senhor, que se compadecerá dele; (...) e para o nosso Deus, porque é generoso em perdoar. Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor. Porque, assim como o céu é mais alto do que a Terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos. Porque, assim como a chuva e a neve descem dos céus e para lá não tornam, mas regam a terra, e a fazem produzir e brotar, para que dê semente ao semeador, e pão ao que come, assim será a palavra que sair da minha boca: ela não voltará para mim vazia, antes fará o que me apraz, e prosperará naquilo para que a enviei. Pois com alegria saireis, e em paz sereis guiados; os montes e os outeiros romperão em cânticos diante de vós, e todas as árvores de campo baterão palmas. Em lugar do espinheiro crescerá a faia, e em lugar da sarça crescerá a murta; o que será para o Senhor por nome, por sinal eterno, que nunca se apagará."
Há, no mundo, somente dois sistemas "teológicos": o da mentira e o da verdade. O primeiro é formado por diversas e diferentes religiões; o segundo é formado por um remanescente disperso, minoritário e desprovido de ritos, cerimonialismos, clericalismos, e institucionalismos. O primeiro é essencialmente antropocêntrico, enquanto o segundo é tipicamente cristocêntrico. O homem natural busca na religião um caminho de religação à Deus, porém sem que seja despido do seu "eu" contaminado pela natureza pecaminosa. O homem regenerado é encontrado por Deus, justificado sem mérito e sem justiça própria. A solução divina se dá pela graça e pela misericórdia, retirando  o foco do homem e colocando-o em Cristo por meio da Sua morte compartilhada. No ato de inclusão e substituição, Deus executa a justiça eterna contra o pecado e redime os pecadores eleitos antes dos tempos eternos. Assim, na religião o homem tenta se aproximar de Deus por meio de supostos méritos próprios. Na relação verdadeira é Deus quem conhece o pecador de antemão, predestina-o, chama-o, justifica-o, e glorifica-o por meio da graça plena. 
O sistema da mentira se caracteriza por ter a centralidade na ação sinérgica, a saber, na presunção humana de ser o gestor da sua própria salvação por méritos e justiça próprios; o sistema da verdade tem a centralidade na ação monérgica de Deus, a saber, por graça plena, visto que o homem é absolutamente incompetente para promover qualquer ação no campo espiritual. Tal incompetência se explica pela total corrupção do espírito humano. Esta corrupção significa a sua morte para Deus, ou seja, a separação do espírito do homem, em relação ao Espírito Santo de Deus. É este, portanto, o sentido de queda, perda da comunhão, depravação total, e corrupção espiritual. Isto não quer dizer que o espírito do homem decaído seja a fonte dos atos pecaminosos, pois esta tarefa fica por conta da alma. Por esta razão, sempre que as Escrituras se referem à salvação, o faz no sentido de purificação da alma. O espírito do homem é reconciliado com Deus após a vivificação, ou retorna a Ele após a morte física.
O sistema da mentira é baseado em ativismo, porque exige autosacrifício, esforço e dedicação, visto que o foco é o homem e suas necessidades, seus desejos, projetos e vontades. Por este caminho sempre trilha a maioria, ele imputa ao próprio homem mérito e a justiça própria. Cristo faz menção a ele em Mt. 7:13 - "Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela." A porta estreita é o sistema da verdade, a porta larga é o sistema da mentira. 
No sistema da mentira os ideólogos afirmam, sem pudor e à revelia das Escrituras, que, o homem possui "livre arbítrio" e faz escolhas morais e espirituais livres as quais o capacitam à salvação. Tomam, por exemplo, no texto que abre este artigo, a expressão: "...ó vós, todos os que tendes sede..." como indicativo da liberdade de escolha, aceitação e decisão em optar pela oferta de Deus. Não há nada mais enganoso do que esta posição, visto que a vontade, o desejo e a emoção humana estão centradas na esfera almática, e, esta, não pode voltar-se para Deus. O que é reconciliado pela justiça de Cristo na cruz é o espírito e não a alma. A alma é tratada ao longo da experiência de novo nascimento, e o corpo será restaurado glorificado. Assim, permanece a posição do pregador reformado Martinho Lutero que diz: o homem não possui "livre arbítrio", mas "servo arbítrio". Tal posição foi publicada na obra "On the Bondage of the Will" em resposta às posições arminianas e universalistas de Erasmo de Roterdã. A posição de Lutero é a correta, pois quem comete pecado é escravo do pecado, logo, escravo não é livre. As Escrituras afirmam que todos pecaram e que o pecado entrou no mundo por meio de um homem, e passou a todos os homens, consequentemente todos são portadores da natureza pecaminosa. 
Entretanto, se houver o mínimo de honestidade bíblica verificar-se-á, entre outras coisas, que, o texto de Isaías se refere aos que têm sede. Ora, a natureza humana decaída não possui sede pelas coisas concernentes a Deus conforme o registro de Rm. 3:10 e 12 - "...como está escrito: não há justo, nem sequer um. Não há quem entenda; não há quem busque a Deus. Todos se extraviaram; juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só." Destarte, nenhum homem é competente para fazer escolhas livres e se voltar para Deus. O texto mostra, ao contrário, a ação graciosa e monérgica de Deus oferecendo a redenção sem que o homem a mereça e possua o que oferecer por ela. É como comprar manjares deliciosos sem dinheiro. Neste caso entra o agente fiduciário, Jesus, o Cristo como aquele que se oferece como penhora, segurança e garantia ao pecador. Este é o sentido jurídico de fidúcia, ou seja, '... ônus que grava a propriedade dada em fideicomisso, visto que ela pertence ao fiduciário enquanto este viver ou por outra condição estabelecida pelo testador.' Os que têm sede, têm-na, porque esta lhes foi outorgada pela Graça.
Aquele que tem sede busca ao Senhor enquanto se pode achá-Lo, porque Ele mesmo provoca a sua sede e o conduz ao abandono da iniquidade, pois é na cruz que esta é aniquilada conforme Hb. 9:26 - "...mas agora, na consumação dos séculos, uma vez por todas se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo." É pelo poder da Palavra vivificante de Deus que o pecador é despertado em fé e levado à cruz,  para em Cristo, ganhar a vida conforme Jo. 6:44 - "Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia." Vê-se que é uma questão de não poder, e não de querer, desejar, ou escolher livremente.
Comprar sem dinheiro parece paradoxal, entretanto, é uma questão de crédito concedido por graça plena mediante a fé, àqueles que, jamais poderiam se voltar livremente para Deus. É Cristo que os justifica, rasgando o escrito de dívida que havia contra eles por conta do pecado conforme Cl. 2:14 - "... e havendo riscado o escrito de dívida que havia contra nós nas suas ordenanças, o qual nos era contrário, removeu-o do meio de nós, cravando-o na cruz."
Sola Gratia!

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