Jo. 8: 32 a 36 - "... e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. Responderam-lhe: somos descendentes de Abraão, e nunca fomos escravos de ninguém; como dizes tu: sereis livres? Replicou-lhes Jesus: em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é escravo do pecado. Ora, o escravo não fica para sempre na casa; o filho fica para sempre. Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres."
São inerentes à natureza humana decaída a ilusão e a mentira. Isto se dá porque a condição de morte espiritual para Deus coloca o homem em aparteísmo. Trata-se de uma falsa autonomia a qual o leva a presumir que é livre em função do que faz ou deixa de fazer. Tal falsidade autômata trai os sentidos humanos, dando-lhes uma capacidade de construção de realidades paralelas em relação à verdade.
A vontade não pode ser confundida com o desejo, porque, enquanto o desejo é o que emerge da natureza humana sem a capacidade de controle por parte do agente desejante, a vontade é a razão a serviço daquilo que é o correto e possível de ser feito. A razão está a serviço da moral, enquanto a vontade está a serviço da ânsia da vida por si mesma. A moral é o que uma pessoa faz ou não faz, independentemente das circunstâncias instintivas ou externas. Por exemplo, ainda que alguém pudesse ficar invisível não furtaria ou não mataria, porque furtar e matar não é moralmente correto. Ainda que alguém dispusesse de pleno poder sobre outros não forçaria as outras pessoas a lhe conceder algo reprovado pela moral. Ainda que uma pessoa não estivesse sob qualquer forma de censura alheia não adotaria uma postura obscena porque a sua moral não aceita como normal. Neste sentido a maior parte das pessoas não são pessoas morais, mas amorais e/ou imorais, visto que agem em função das circunstâncias e não de acordo com o que a razão indica como o correto a ser feito.
A alegoria do "Anel de Giges" na obra "A República" de Platão permite extrair algum subsídio para os conceitos de moral e razão. Um pastor de ovelhas considerado um bom homem guiava o seu rebanho. Após uma tempestade e um terremoto, se deparou com um homem morto. Percebeu que o cadáver portava apenas um anel. O pastor tomou para si o anel, colocando-o no dedo seguiu ao seu labor rotineiro. Percebeu o pastor que, quando estava em um ambiente social em companhia de diversas pessoas e manipulava o engaste do anel para dentro estas não lhe percebiam. Era como se ele não estivesse presente no local. Concluiu, assim, o pastor que o anel lhe dava a invisibilidade. A partir do momento em que constatou este fato passou a usar da sua invisibilidade para trair, matar e usurpar o poder do rei. Ora, o fundamento moral é que um homem pode aparentar ser algo ou alguém apenas porque as circunstâncias não lhes são favoráveis. Exposto em seu erro ou fraqueza poderia tornar-se objeto de restrição da liberdade no sistema vigente. Poderia ser apanhado pela lei, julgado e condenado. Entretanto, quando livre de quaisquer possibilidades de juízo faz tudo o que os seus desejos impõem.
Enquanto o desejo é algo inerente à natureza instintiva e animal, a vontade é aquilo que a razão indica como o correto e justo. A razão é o que deve ser feito, independentemente dos desejos. A razão não depende do que o homem deseja para gratificar-se e ser feliz. A felicidade é a busca pelo prazer e o afastamento das dores e sofrimentos. Portanto, nem sempre quando alguém age para ser feliz age moralmente. O homem amoral é aquele que desconhece ou ignora os princípios da razão. O homem imoral é aquele que age em sentido oposto e conflitante com a razão, ainda que seja em nome da felicidade.
No texto que abre esta instância vê-se um embate entre os líderes religiosos e o Mestre Jesus, o Cristo. Ele propõe que, se o homem conhecer a verdade experimenta a verdadeira liberdade. A isto os religiosos negaram dizendo que não necessitavam da liberdade proposta, porque eram descendência de Abraão e nunca foram escravos. Primeiro, os tais religiosos reduziram a liberdade a uma questão puramente genealógica e étnica como um qualificativo. Segundo, negaram a própria história do seu povo que foi escravo por 430 anos no Egito e depois em outras épocas e lugares nas diásporas. O religioso que não experimentou o novo nascimento toma por referência apenas suposições idealizadas por uma moral determinada pela vontade natural e não pela verdade espiritual. A verdade libertadora proposta por Jesus, o Cristo não era uma concepção filosófico-religiosa. A verdade é uma pessoa, a saber, o próprio Cristo conforme Jo. 14:6 - "Respondeu-lhe Jesus: eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim." Jesus, o Cristo demonstra que, além de ser ele mesmo a verdade, também, é o caminho e a vida. As implicações desta verdade é que não há redenção libertadora fora de Cristo. Tal libertação se dá quando o homem decaído é incluído na morte d'Ele, e, consequentemente, em sua ressurreição. O processo de redenção consiste na inclusão e substituição do homem contaminado pela natureza pecaminosa na cruz. Este fato, que se apropria por fé, aniquila a culpa do pecado que o torna morto espiritualmente para Deus. A maioria dos religiosos desconhece que há três naturezas de morte: a) a morte espiritual para Deus; b) a morte física ou biológica; c) a morte para o pecado.
Fica claro que, ainda que religioso e ético, o homem continua escravo da natureza pecaminosa. Portanto, não é livre nem espiritualmente, nem racionalmente e, muito menos, moralmente. Porque tanto o desejo, a vontade e a razão estão escravizados pela natureza decaída e absolutamente depravada. Assim, o escravizado necessita de um libertador que não é contaminado por tal natureza corrompida. Este foi o projeto de Deus para libertar verdadeiramente o homem da sua condição de pecador. Incluir o pecador na morte justificadora de um libertador absolutamente puro e justo. Após tal processo, o pecador retorna à vida justificado e liberto da culpa do pecado. Ao longo da sua vida será tratado e aperfeiçoado dos atos pecaminosos até a restauração final.
Sola Gratia!