quarta-feira, outubro 7

A MENSAGEM, O PECADO E A GRAÇA DE DEUS

Gn. 4: 1 a 7 - "Conheceu Adão a Eva, sua mulher; ela concebeu e, tendo dado à luz a Caim, disse: alcancei do Senhor um varão. Tornou a dar à luz um filho, a seu irmão Abel. Abel foi pastor de ovelhas, e Caim foi lavrador da terra. Ao cabo de dias trouxe Caim do fruto da terra uma oferta ao Senhor. Abel também trouxe dos primogênitos das suas ovelhas, e da sua gordura. Ora, atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta, mas para Caim e para a sua oferta não atentou. Pelo que irou-se Caim fortemente, e descaiu-lhe o semblante. Então o Senhor perguntou a Caim: por que te iraste? e por que está descaído o teu semblante? Porventura se procederes bem, não se há de levantar o teu semblante? e se não procederes bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo; mas sobre ele tu deves dominar."
Há duas maneiras de estudar as Escrituras: uma é valendo-se dos recursos didático-teológicos e a outra é recebendo luz espiritual. A maior parte dos erros doutrinários e das grandes heresias surge exatamente, porque os religiosos insistem em interpretar as Escrituras à luz dos seus sistemas de crenças. A Teologia fornece diversas ferramentas para uma pessoa garimpar muitas coisas no texto bíblico. Entretanto, se este esforço não for unido à revelação do Espírito Santo ao espírito do homem, limitar-se-á apenas a uma peça de retórica bem elaborada. Não tem o poder de comunicar a verdade espiritual aos pecadores. Não passará de homilia, de exegese, e  de hermenêutica!
Acerca do episódio registrado no texto que abre esta instância, muito já se falou e se especulou. Alguns comentaristas, por falta de revelação, concluíram que houve deturpação da tradução do hebraico para o latim e, desta para outras línguas. Outros afirmam que alguns textos bíblicos são de difícil interpretação, porque são o reflexo da cultura oriental que é diametralmente oposta à cultura ocidental. Estes comentaristas se esquecem que o texto bíblico, enquanto letra pode até refletir o cenário cultural do escritor, mas há um fundo de inspiração espiritual que só pode ser revelado pelo Espírito Santo. O estilo e a convergência dominante de cada época, cultura e pessoa que escreve apenas refletem o modelo da narrativa, mas não a essência dela. A verdade a ser comunicada pelas Escrituras é espiritual e não intelectual, razão pela qual há um texto aberto e um texto fechado. Por esta razão, o texto grego neotestamentário difere a palavra escrita como sendo 'logos' e a palavra revelativa como sendo 'rhema.' Logos é apenas a letra, mas 'rhema' é o espírito da letra. Enquanto a primeira é o registro das narrativas, a segunda é o poder de Deus que vivifica o pecador morto em delitos e pecados. É aquela comunicação diretamente ao espírito do homem para vivificá-lo e reconciliá-lo com Deus.
O texto e o contexto no qual está a narrativa do assassinato de Abel por seu irmão Caim contém um versículo de difícil elucidação. Trata-se do verso sete, no qual leem-se as seguintes palavras: "porventura se procederes bem, não se há de levantar o teu semblante? E se não procederes bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo; mas sobre ele tu deves dominar." A mensagem de Deus à Caim ocorre antes do assassinato de Abel. Caim era agricultor e Abel pastor de ovelhas. Ambos se apresentaram diante de Deus para fazer suas ofertas de adoração. Caim ofereceu o fruto do seu árduo labor, ou seja, ofereceu-se a si mesmo. Lavrar a terra retirando as ervas daninhas, plantar, cuidar e colher os frutos é um labor que exige grande esforço e desempenho. Abel, por sua vez, tomou um cordeirinho primogênito em seus ombros e o ofereceu sem muito esforço ou trabalho pesado. Deus se agradou de Abel por sua oferta, mas não se agradou de Caim por sua oferta. Vê-se que Deus se agradara de Abel pelo modo em que este se aproximou d'Ele. Não era uma questão da oferta em si, mas do modo correto do ofertante se apresentar diante de Deus. O modo da oferta explicita o nível de fé do ofertante: oferta dependente da graça de Deus e a oferta dependente do esforço e da justiça própria do ofertante.
A partir da recusa por parte de Deus, Caim alimentou profunda mágoa contra o seu irmão. Caim representa as pessoas as quais não suportam perder o lugar de primazia. Para manter o seu desempenho meritocrático resolveu eliminar o oponente, ainda que se tratasse do seu irmão. Decaiu-se-lhe o semblante, alimentando o rancor contra Abel. Deus, que tudo vê e tudo sabe, alertou Caim, preventivamente, contra seus intentos secretos. O texto em hebraico, língua matricial do velho testamento diz numa tradução literal: "Não é que, se ages bem, elevação, e se não ages bem, à tua porta o pecado dormindo e para ti sua cobiça e tu o dominarás." O que, de fato, o texto revela é que a elevação do semblante de uma pessoa é o reflexo da sua natureza. Desta forma, o agir bem é a exteriorização de uma natureza reconciliada com Deus, enquanto o mau procedimento é a revelação da natureza decaída e irreconciliada. Os pronomes hebraicos, no texto, para "seu" e "ele", por seus modos, não se referem ao pecado, mas a Caim. Era o próprio desejo de Caim que o colocava contra si mesmo. O pecado é apresentado como uma fera que finge dormir à espreita do coração de Caim. Ao alimentar a cobiça de obter exclusividade na adoração de Deus, matando o próprio irmão, tal fera acordaria e o dominaria. A única forma de Caim dominar o pecado seria levantando o semblante, ou seja, buscando a verdadeira adoração a Deus. Tal adoração dar-se-ia apresentando-se por meio do substituto e não por esforço e por justiça própria. Obviamente, isto traria a aceitação de Caim e da sua oferta perfeita, consequentemente, a alegria de espírito.
Abel era detentor da natureza pecaminosa, tanto quanto Caim, entretanto, aquele tinha consciência disso e aproximou-se de Deus por meio do substituto por reconhecer-se indigno. Isto indica que Abel ganhou revelação do significado da redenção por meio dos méritos de Cristo prefigurado no cordeirinho ofertado. Esta é a razão pela qual Deus atentou para Abel e para a sua oferta. O pecado é apresentado no verso sete como sendo uma fera acuada se fingindo de inofensiva. O pecado ataca a sua vítima e a forma dele ser dominado é pelo reconhecimento da culpa e da incompetência do pecador. A graça faz que o pecador transfira a sua culpa para a todo-suficiência e eficiência de Cristo conforme Rm. 7: 18 a 25 - "Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; com efeito o querer o bem está em mim, mas o efetuá-lo não está. Pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse pratico. Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim. Acho então esta lei em mim, que, mesmo querendo eu fazer o bem, o mal está comigo. Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo nos meus membros outra lei guerreando contra a lei do meu entendimento, e me levando cativo à lei do pecado, que está nos meus membros. Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte? Graças a Deus, por Jesus Cristo nosso Senhor! De modo que eu mesmo com o entendimento sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei do pecado." Esta deveria ter sido a atitude de Caim para elevar-se perante Deus e não cultivar a ira e o ódio em seu coração que o fez cair nas garras da natureza pecaminosa. 
Na expressão indagativa: "... não é certo que serás aceito?" Deus está indicando a Caim a graça que supera o pecado. A forma de dominar o pecado é reconhecendo-se incompetente para oferecer mérito e justiça própria perante Deus. Por isso, Deus agradou-se de Abel e sua oferta, porque ele não tomou por base a si mesmo, mas ofertou-se por meio do substituto inocente, puro e sem culpa do pecado. Caim, contrariamente, ofereceu-se a si mesmo por meio do suor do seu rosto. Por esta razão o apóstolo Paulo doutrina que a salvação é pela graça mediante a fé conforme Ef. 2: 8 e 9 - "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie." A natureza pecaminosa no homem sempre e invariavelmente busca a gratificação de si mesmo.
Sola Gratia!

segunda-feira, outubro 5

SENDO CONHECIDO E CONHECENDO

Jo. 10: 1 a 5 e 14 e 15 - "Em verdade, em verdade vos digo: quem não entra pela porta no aprisco das ovelhas, mas sobe por outra parte, esse é ladrão e salteador. Mas o que entra pela porta é o pastor das ovelhas. A este o porteiro abre; e as ovelhas ouvem a sua voz; e ele chama pelo nome as suas ovelhas, e as conduz para fora. Depois de conduzir para fora todas as que lhe pertencem, vai adiante delas, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz; mas de modo algum seguirão o estranho, antes fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos. Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas."
Jesus, o Cristo lançou mão de recursos muito simples para comunicar o ensino da verdade. A linguagem figurada é um recursos universal e fácil de ser entendido. Em um determinado contexto ele se declarou ser a porta estreita pela qual os pecadores eleitos entrariam após terem sido chamados. Em todo o ensino de Cristo há sempre o estabelecimento de posição, relação e reciprocidade. Obviamente, Cristo não é uma porta em sentido literal, mas aquilo que ela representa. A figura da porta estabelece a relação de passagem do reino das trevas para o da luz. A porta indica o acesso à verdade espiritual e à eternidade.
Um forte exemplo de posição, relação e recíproca se acha em Jo. 17: 20 e 21 - "E rogo não somente por estes, mas também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim; para que todos sejam um; assim como tu, ó Pai, és em mim, e eu em ti, que também eles sejam um em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste." O contexto é aquele em que Jesus, o Cristo está orando pelas suas ovelhas, visto que se aproxima o seu sacrifício na cruz. Vê-se que a obra de Cristo não é estática no tempo e no espaço. Todo processo de redenção do pecador sempre foi, é e será por meio da inclusão deste na morte e na ressurreição de Cristo. Tal inclusão sempre se dá pela fé que ele é, de fato, o redentor único, eficiente e eficaz para aniquilação do pecado. Também fica evidente que a redenção é por crer na palavra de Deus e não por religião exterior. Finalmente se vê com clareza que o objetivo é a unificação dos eleitos e regenerados com Cristo e com o Pai. O mundo apenas irá crer que realmente Jesus é o redentor divino quando for manifesta a unidade espiritual entre Deus, Cristo e a Igreja.  
No texto que abre esta instância se veem diversas metáforas: a porta, o aprisco, o ladrão e salteador, o pastor, as ovelhas. A porta é Jesus, o Cristo crucificado para aniquilação da natureza pecaminosa dos eleitos. Enquanto ele se identifica como a porta das ovelhas, Jesus se põe na posição do único meio de acesso a Deus. Após a cruz e a ressurreição, Jesus se torna o "Bom Pastor" que conduz e cuida dos eleitos e regenerados, tratando-os e curando-os dos seus atos pecaminosos. O aprisco ou redil é um curral que abriga as ovelhas onde são tratadas. O aprisco representa a Igreja onde os eleitos e regenerados são tratados de seus males almáticos até o retorno do Grande Rei. Aquele que pula a cerca e invade o aprisco é o ladrão e salteador. Esta metáfora se aplica a Satanás e aos seus falsos mestres que rejeitam a única solução para o pecado, a inclusão do pecador na morte de Cristo. A principal indicação de um ladrão e salteador é que ele não tem autoridade e autorização para entrar no redil pela porta. Ele é um estranho cujo interesse é apenas tosquiar emocionalmente e extorquir financeiramente as almas dos que não conhecem a verdade. O porteiro é o mensageiro humano que instrui o rebanho após a ascensão do "Sumo Pastor" conforme I Pd. 5: 2 a 4 - "Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, não por força, mas espontaneamente segundo a vontade de Deus; nem por torpe ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores sobre os que vos foram confiados, mas servindo de exemplo ao rebanho. E, quando se manifestar o sumo Pastor, recebereis a imarcescível coroa da glória." O verdadeiro mensageiro abre a porta do redil, ou seja, dá entendimento da verdade por meio do anúncio das Escrituras. É este o sentido de Mt. 16:19 - "...dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares, pois, na Terra será ligado nos céus, e o que desligares na Terra será desligado nos céus." É a Igreja verdadeira ensinada pela pregação das Escrituras por um pastor segundo o coração de Deus. O que ela comunicar ao mundo é a verdade que liga os pecadores eleitos a Deus. O que ela não anunciar aos pecadores que não conhecem o "Sumo Pastor" os desligará eternamente de Deus.
A principal característica do "Bom Pastor" e das "suas ovelhas" é que eles mantêm uma relação de conhecimento recíproco. O "bom pastor" conhece as suas ovelhas e é conhecido por elas. Ele as conhece pelo nome, indicando intimidade e as conduz para fora do aprisco confirmando o texto de Nm. 27:16 a 18 - "Que o senhor, Deus dos espíritos de toda a carne, ponha um homem sobre a congregação, o qual saia diante deles e entre diante deles, e os faça sair e os faça entrar; para que a congregação do Senhor não seja como ovelhas que não têm pastor. Então disse o Senhor a Moisés: toma a Josué, filho de Num, homem em quem há o Espírito, e impõe-lhe a mão." Neste texto Josué é um tipo de Jesus, o Cristo na condução do povo de Israel à Canaã. 
O sentido de "depois de conduzir para fora todas as que lhe pertencem, vai adiante delas, e as ovelhas o seguem..." é Jesus, o Cristo, saindo de Jerusalém com a cruz e indo até o Gólgota para atrair os pecadores eleitos, a saber, as suas ovelhas. O "Sumo Pastor" conduz as ovelhas, as conhece pelo nome e as atrai a si mesmo. As ovelhas verdadeiras ouvem a voz do "bom pastor" e o seguem porque conhecem a sua voz e confiam nele. Elas não suportam outro pastor, porque não o conhece, não compreendem a sua mensagem e fogem dele. Os eleitos e regenerados identificam uma falsa pregação e um falso mestre nas primeiras palavras ditas por este. O ladrão e salteador é facilmente reconhecido pelas ovelhas do "Sumo Pastor."
O falso pastor, que é ladrão e salteador, e as suas falsas ovelhas se caracterizam apenas por ter uma posição religiosa. Não têm relação e reciprocidade, porque são conduzidas por um processo artificial e em arrepio à verdade das Escrituras. Conhecem apenas religião exterior e experiências almáticas, as quais confundem com espiritualidade. Permanecem sedentas, pobres e perdidas como ovelhas que não têm pastor. Neste sentido se cumpre o que está em Os. 4:6 - "O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento. Porquanto rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos." Conhecimento em termos bíblicos nada tem a ver com intelectualidade ou ciência, mas sim, com conhecer a pessoa de Cristo. É neste sentido que ocorre a recíproca: Cristo conhece as suas ovelhas e por elas é conhecido.
Solo Christus!